domingo, 28 de julho de 2013

Liberdade e cristianismo – O que isso tem a ver com o livre-arbítrio? Porque certos grupos religiosos tem medo do livre-arbítrio?

Um dos dons mais preciosos que nós seres humanos podemos e devemos usufruir é o da liberdade. Sim, liberdade para pensar, agir, adorar e amar. A liberdade é um dom maravilhoso que tem sua origem em Deus. Em Deus? Para muitos, dizer que a liberdade tem sua origem em Deus pode até mesmo parecer um contrassenso, pois a imagem que se tem geralmente acerca de Deus é a de que Ele é uma pessoa que, apesar de ser afirmado que Ele “é amor” (1 João 4:8), esse mesmo Deus tem um temperamento difícil, instável e que só vive mal-humorado. Ao passo que Ele quer que sejamos felizes, parece que anda com um chicote escondido atrás de Si pronto a dar uma boa lambada em que se atrever a desobedecê-Lo, ou talvez Ele seja um Deus que fica o tempo todo nos controlando, vigiando, nos dando a sensação de que somos suas marionetes e que Ele fica brincando conosco ao seu bel-prazer. Em algumas circunstâncias pode até mesmo parecer que Ele se satisfaz em nos ver tropeçar e fazermos algo ruim só para nos pegar e antes da surra nos dizer: “O que é que foi que Eu te disse? Quem mandou você...”
Essa imagem de um Deus carrasco é a mais comum na mente de muitas pessoas, quer se admita isso, quer não. Eu mesmo por muitos anos tive esse conceito, lá nos recessos de minha mente, apesar de ter adquirido conhecimento bíblico durante mais de 26 anos.
Mas hoje ao fazer a leitura de um livro chamado “Café Espiritual – reprograme o poder de Deus na sua vida”, publicado pela Editora Vida, li um capítulo no mesmo que me chamou muito a atenção. Foi o capítulo 3 intitulado “Criar um lugar seguro” escrito por Danny Silk. A frase inicial do capítulo me chamou muito a atenção ao afirmar: “Deus, Criador de todo o Universo, criou as pessoas para que fossem livres. Na verdade, ele confiou, especificamente liberdade a seu povo.” (grifo do autor)
Logo após ele cita um de meus autores favoritos, C. S. Lewis, que em seu livro Cristianismo Puro e Simples (Martins Fontes), [o autor cita da edição publicada pela Editora Quadrante, Mero Cristianismo] disse o seguinte sobre o livre-arbítrio: “Deus criou coisas dotadas de livre-arbítrio: criaturas que podem fazer tanto o bem quanto o mal. Alguns pensam que podem conceber uma criatura que, mesmo desfrutando da liberdade, não tivesse possibilidade de fazer o mal. Eu não consigo. Se uma coisa é livre para o bem, é livre também para o mal. E o que tornou possível a existência do mal foi o livre-arbítrio. Por que, então, Deus o concedeu? Porque o livre-arbítrio, apesar de possibilitar a maldade, é também aquilo que torna possível qualquer tipo de amor, bondade e alegria. Um mundo feito de autômatos - criaturas que funcionassem como máquinas - não valeria a pena ser criado. A felicidade que Deus quis para suas criaturas mais elevadas é a felicidade de estar, de forma livre e voluntária, unidas a ele e aos demais seres num êxtase de amor e deleite ao qual os maiores arroubos de paixão terrena entre um homem e uma mulher não se comparam. Por isso, essas criaturas têm de ser livres. E claro que Deus sabia o que poderia acontecer se a liberdade fosse usada de forma errada. Aparentemente, ele achou que valia a pena correr o risco.” (p. 23 da edição da Martins Fontes)
O que me chamou a atenção foi o fato de que apesar de eu, intelectualmente, sempre soubesse que o ser humano foi dotado por Deus da faculdade do livre-arbítrio, eu ainda não havia parado para pensar nas implicações desse livre-arbítrio em minha própria experiência religiosa como membro (atualmente ex-membro) do grupo testemunhas de Jeová. 
Por isso vou falar agora de minha própria experiência, apesar de acreditar que ela seja válida para outros que já passaram ou estejam passando pela agonia de espírito que passei.
A liderança das testemunhas de Jeová apesar de admitir em suas publicações que o ser humano foi criado e dotado com a faculdade do livre-arbítrio se contradiz ao tentar de todos os modos impugnar o exercício de tal prerrogativa. Vou citar um exemplo recente.
A revista A Sentinela, edição de estudo de 15 de outubro de 2013, trouxe a atenção uma matéria direcionada especialmente para os jovens intitulada “Trabalhem como escravos para Jeová”. Este artigo polariza a questão basicamente entre dois pontos: O que é melhor ser escravo de Jeová (nome de Deus) ou de Satanás? Esta polarização visa, entre outras coisas, desencorajar, de todos os modos, a busca por uma educação superior, ou seja, que os jovens testemunhas cursem faculdade. Isso já é amplamente promovido, por muitos anos, pela liderança das TJ’s.
Uma parte da matéria, logo de início, já começa a condicionar a mente do jovem dizendo o seguinte no parágrafo 7 do artigo: “No mundo, prevalece o desejo de ser materialmente próspero. Satanás promove a ideia de que dinheiro é sinônimo de felicidade. Surgem cada vez mais shopping centers e grandes lojas. As propagandas incentivam um estilo de vida que gira em torno de bens e diversão.” Note o cuidado que os escritores do artigo tiveram em já preparar a mente dos jovens e de outros TJ´s para o fato de que buscar prosperidade material é coisa do “mundo” e que “Satanás” é o promotor de tal ideia. Ou seja, esta seção introduz dois termos chave que darão a tônica “polarizante” do restante do artigo: “mundo” e “Satanás”. [Se levarmos a sério as palavras acima deveremos ter cuidado em frequentar shoppings centers, pois, com certeza, segundo o escritor do artigo, Satanás está por trás desse tipo de empreendimento... rsrsrsrsrs...]
Não estou negando o fato de que Satanás promove um estilo de vida que focaliza o material em detrimento do espiritual e que ele exerce grande pressão neste respeito. TODO CRISTÃO que deseja agradar a Deus tem que tomar o devido cuidado. Mas o que questiono é a forma como as ideias são utilizadas, nas palavras acima, cerceando a liberdade individual e o direito de escolha, o uso do livre-arbítrio, criando assim um espírito de condicionamento mental para introduzir o ponto chave do artigo que indicarei a seguir.
Debaixo do tópico “Carreira Gratificante” note como sutilmente certas ideias vão sendo introduzidas para levar a mente a aceitar, sem questionar, o que será explanado em seguida no artigo em questão: “Assim como fez no Éden, Satanás hoje ataca principalmente os inexperientes. Os jovens estão entre seus alvos favoritos. Satanás não fica feliz quando um jovem, ou qualquer outra pessoa, se oferece para ser escravo de Jeová. O inimigo de Deus quer que todos que dedicam a vida a Jeová deixem de ser leais a Ele.” (p. 14 - grifos meus)
Mais uma vez a polarização entre ser leal a Deus e a Satanás entra em cena. E, certamente, ninguém que ama a Deus quer ser leal a Satanás. Tal modo de conduzir o assunto facilita em muito aceitar as proposições restantes. Quais são essas proposições? Note as palavras do artigo a seguir: “Os cristãos dedicados vivem para fazer a vontade de Deus, não a de Satanás. Eles tem prazer na lei de Jeová e meditam nela dia e noite... No entanto, boa parte dos cursos acadêmicos hoje deixam pouco tempo para um servo de Jeová meditar na Palavra de Deus e satisfazer sua necessidade espiritual... Hoje, em muitos países, a educação escolar é obrigatória até certa idade. Depois disso os alunos tem uma escolha: continuar ou não seus estudos. Continuar estudando para buscar uma carreira neste mundo pode limitar a liberdade que alguém teria para ingressar no tempo integral. [usar seu tempo em dedicar muitas horas para pregar de casa em casa, obra promovida pelo grupo]... Em vez de obter diplomas ou títulos acadêmicos, os cristãos verdadeiros se concentram em obter “cartas de recomendação” por participar o máximo possível no ministério de campo.” [outra expressão usada pelo grupo para referir-se à pregação de casa-em-casa.] (pp. 14, 15 - grifos meus) A ideia promovida é a seguinte: Continuem trabalhando para a nossa organização apenas pregando de casa-em-casa, não cursem faculdade pois isso vai atrapalhar o crescimento de nossa organização e Deus ficará irado com vocês se não fizerem o que estamos mandando. 
Depois de comentar sobre os perigos morais do ambiente universitário, o Corpo Governante apresenta a única opção para aqueles que desejam ser escravos de Jeová e não de Satanás: “Em contraste, a organização de Jeová fornece a melhor educação no ambiente sadio da congregação crista.”(p. 16 - grifos meus)  Para quem não sabe, as TJ’s não estabelecem instituições de ensino secular de qualquer nível ao contrário de muitos grupos religiosos. O que eles estão querendo dizer com “melhor educação” se refere ao amplo programa de educação espiritual promovido em todas as suas congregações que não tem nada que ver com educação secular. E finalizando com a “cereja do bolo” vejam as palavras de um jovem, citadas neste artigo, desencorajando cursar o ensino superior: “‘A educação teocrática que recebi como pioneiro — e hoje como ancião na congregação — não tem preço’, conta ele. ‘As bênçãos e os privilégios que tenho superam em muito qualquer dinheiro que eu tivesse ganhado. Sou muito feliz por não ter buscado o ensino superior.’” (p. 16 - grifos meus).
Qual o objetivo que o Corpo Governante das TJ's quer atingir com toda essa "preocupação" com o bem espiritual dos jovens testemunhas, e por tabela, os outros membros de mais idade que talvez anseiam cursar o ensino superior?
1) Colocar a questão de se cursar ou não uma faculdade como se fosse uma questão de lealdade entre agradar a Deus ou a Satanás num pensamento reducionista. 
2) Algumas partes do artigo (que não citei) visam desmerecer o valor do ensino superior em comparação com cursos de nível técnico conduzindo, por fim, à ideia indicada no ponto a seguir.
3) Exaltar a educação religiosa ("teocrática" como eles chamam) promovida pela Organização como preparando os seus membros muito melhor para a vida do que obter um diploma de ensino superior.
4) Que ser feliz envolve dedicar-se de corpo e alma ao trabalho promovido pela Organização (pregação de casa-em-casa) e que caso uma TJ opte por cursar uma faculdade ela será infeliz.
Tudo isso não passa de falácias engenhosamente elaboradas para manter os membros TJ's sob o controle estrito do Corpo Governante e para que esses se dediquem ao máximo à Organização. Não há absolutamente NADA na Bíblia que indique que cursar ou não uma faculdade é uma questão que envolve nossa lealdade a Deus. 
Acredito que a tônica correta, do artigo da revista A Sentinela, seria antes, orientar os jovens TJ's a terem cuidado com o ambiente moral das universidades, o mesmíssimo cuidado que se precisa ter ao se estudar numa escola para se obter uma educação básica. É público e notório que o ambiente das escolas hoje também apresenta perigos tanto espirituais como, até em alguns casos, perigos de segurança física ocasionados pelo aumento da violência nas escolas, infelizmente. Agora, quanto a cursar ou não uma faculdade essa é uma questão individual de acordo com a fé de cada cristão.
Confirmando que muitas questões, que não são claramente indicadas na Bíblia como mandamento divino, devem ser deixadas ao critério de cada cristão, o apóstolo Paulo ao comentar sobre uma questão controvertida de se fazer uso de certos alimentos ou a guarda de dias santificados, que estava causando muita discussão entre os cristãos de Roma, no primeiro século de nossa era, deu uma solução prática e inteligente que não feria o livre-arbítrio dos crentes. Veja as palavras de Romanos 14:1-5 (NVI): "Aceitem o que é fraco na fé, sem discutir assuntos controvertidos. Um crê que pode comer de tudo; já outro, cuja fé é fraca, come apenas alimentos vegetais. Aquele que come de tudo não deve desprezar o que não come, e aquele que não come de tudo não deve condenar aquele que come, pois Deus o aceitou. Quem é você para julgar o servo alheio? É para o seu senhor que ele está de pé ou cai. E ficará de pé, pois o Senhor é capaz de o sustentar. Há quem considere um dia mais sagrado que outro; há quem considere iguais todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente." (grifos meus) 
Ou seja, Paulo, sob inspiração, indicou que muitas questões são de decisão pessoal. Então devemos fazer a seguinte a pergunta: Quem deu ao Corpo Governante o direito de dizer o que é certo ou errado quanto a se cursar uma faculdade? Pessoalmente tenho certeza de que Deus não deu a eles e a ninguém sobre a terra tal direito.
Que contraste a atitude dogmática, invasiva e autoritária do Corpo Governante das TJ's com as palavras do apóstolo Paulo que disse o seguinte: "Não estamos querendo mandar na sua fé, pois vocês estão firmes na fé." (2 Cor. 1:24, NTLH - grifos meus). Isso quer dizer, nada mais, nada menos, que nem ele e nem os apóstolos deveriam mandar na fé dos outros irmãos cristãos. 
Toda essa “lavagem cerebral” meticulosamente arquitetada pela liderança das TJ’s é apenas uma amostra de várias outras promovidas com o objetivo de manter sob o mais estrito controle o que os membros pensam, fazem ou escolhem como alvos na vida. Não se pode subestimar toda a pressão e coerção psicológica que é exercida por artigos dessa natureza, pois, a revista A Sentinela é estudada nas mais de 100.000 congregações espalhadas ao redor do mundo. E os membros TJ’s sempre encaram as instruções promovidas nesta revista como oriundas do próprio Deus (Jeová). Ou seja, o que é dito na revista está em pé de igualdade com os mandamentos bíblicos, quer elas admitam isso, quer não.
Em contraste com outros grupos religiosos cristãos (luteranos, metodistas, adventistas e etc) que promovem e estabelecem instituições de ensino superior visando promover o verdadeiro progresso e conhecimento, incentivando os membros destes grupos a buscarem uma educação mais elevada, o Corpo Governante das testemunhas de Jeová prefere deixar os membros isolados em seu próprio redil, porque, na realidade, o que mais os homens de Brooklyn temem é que os membros que adquirirem muito conhecimento possam vir a questionar muitas das doutrinas sem base bíblica sólida e toda essa manipulação mental exercida sobre os membros.
Apesar de eu não ter cursado faculdade, minhas amplas leituras me conduziram a reconsiderar o papel que a liderança das TJ's exercia na minha vida. E assim decidi não mais me sujeitar e nem sujeitar outras pessoas a tal tirania mental.
Em contraste com toda essa coerção e cerceamento da liberdade cristã veja o belo comentário no livro que citei mais acima, Café Espiritual, na p. 21: “A dificuldade em guiar pessoas livres é o risco – o risco de que usem a liberdade de forma errada. Ao contrário de Deus, muitos de nós na Igreja não entendemos por que esse risco vale a pena. A ameaça de usar a liberdade de forma equivocada parece maior que a recompensa da verdadeira liberdade. E, por isso, ficamos assustados.”
E este medo é verdadeiramente “endêmico” (citando um termo do autor do livro) dentro do grupo testemunhas de Jeová.
Felizmente ao contrário de certos líderes religiosos que cerceiam o direito do uso do livre-arbítrio dado por Deus, o SENHOR pensa diferente.
Ele não anda com um “chicote”, não é imprevisível e muito menos irá impedir que nós, suas criaturas, façamos uso da liberdade concedida por Ele mesmo quer de modo bom, quer de modo ruim.
Veja as palavras de Isaías 54:10 (Bíblia Viva): “As montanhas podem sumir, os morros podem desaparecer, mas nada pode separar você do meu amor eterno. O trato de paz que eu fiz em seu favor nunca será quebrado. Quem faz essas promessas é o Senhor, que tem carinho especial por você.” Deus não mudará e nem quebrará o trato que fez com os seres humanos!
Todo grupo religioso (cristão ou não) que tenta cercear o livre-arbítrio de seus membros, ou condicioná-los a uma uniformidade que visa apenas fortalecer cada vez mais o domínio exercido pela liderança de tais grupos, na realidade, caso seja cristão, dá sintomas de que falta algo que deveria estar permeando todo o grupo, pelo que a Bíblia diz. Leia o que diz, a seguir, 2 Coríntios 3:17 (NVI) na Bíblia: “Onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade.”
Suspeito de que o Espírito do SENHOR, ou seja, o Espírito Santo não está presente entre esses grupos que agem de modo tão autoritário, pois autoritarismo é o contrário da liberdade promovida pelo Espírito Santo. 
Na realidade, tais líderes não confiam no que ensinam, nos seus liderados e muito menos em Jesus “o bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1 Timóteo 6:16)

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