quarta-feira, 4 de novembro de 2015

João Calvino: Um "bom moço"?

Li algo que me deixou indignado pela inveracidade e até ingenuidade sobre o famoso reformador protestante João Calvino. “Calvino não era um ditador de Genebra que governava a população com mão de ferro... Sua condição era simplesmente a de um pastor que não estava em posição de ditar ordens às autoridades magistradas que administravam a cidade... A influência de Calvino sobre Genebra consistia, em última análise, não em sua posição jurídica formal (que era insignificante), mas em sua autoridade pessoal considerável como pregador e pastor.” (Trecho do livro “As Doutrinas da Graça”, de James Montgomery Boice e Philip Graham Ryken, Editora Anno Domini, 2014, o qual possuo em minha biblioteca pessoal.) 
Algo que sempre me chamou a atenção é o fato de muitos dos adeptos da Teologia Calvinista (aqueles que creem na teoria da predestinação absoluta tanto para a salvação como para a perdição eterna, apesar de existirem vertentes mais extremistas e outras mais amenas), não falarem muito, até mesmo ocultarem, ou pior, pintarem um quadro totalmente falso (como o livro que citei acima) sobre o temperamento irascível, violento e nada cristão de João Calvino, que depois de Martinho Lutero, o “pai da reforma protestante” foi e ainda é, com toda a certeza, o mais influente dos reformadores religiosos cristãos do século XVI.  Lembro-me bem, quando estava no 1º ano do ensino médio, em 1984, quando estudávamos um livro de história chamado “História das Sociedades” que abordava a história da Reforma Protestante, expunha tanto o lado bom como o lado ruim do que ocorreu na ocasião, especialmente quando Calvino exerceu grande influência religiosa e política na cidade de Genebra, Suíça, no século XVI.
Um terrível exemplo dado por Calvino foi o caso do assassínio do “herege” Miguel Servet que entre outras coisas não concordava com a doutrina da Trindade, que é até hoje ensinada pelas igrejas católica, ortodoxa e protestante (evangélica). Pesquisando na Wikipédia encontrei coisas interessantes sobre esse triste incidente. Entre parênteses os números indicam a bibliografia pesquisada, indicada no final do texto.
Quando Calvino leu um livro escrito por Servet veja o que ele disse: “Servet acaba de me enviar um volume considerável dos seus delírios. Se ele vir aqui (...), se minha autoridade valer algo, eu nunca lhe permitiria sair vivo ("Si venerit, modo valeat mea autoritas, patiar nunquam vivum exire"). (1)
Em 13 de agosto de 1553, Servet passou em Genebra, e quando ouvia um sermão de Calvino em Genebra e foi imediatamente reconhecido e preso. (2)
Calvino insistiu na condenação de Servet usando todos os meios ao seu comando.
Calvino acreditava que Servet mereceu ser morto por causa do que ele denominou como "blasfêmias execráveis". Todavia, não concordou que ele fosse morto à fogueira, mas sim à guilhotina. Porém, o Conselho não deu ouvidos à Calvino.(3)
Calvino então consultou outros reformadores sobre a questão de Servet, como os sucessores imediatos de Martinho Lutero, bem como reformadores de locais como Zurique, Berna, Basel e Schaffhausen, todos concordaram universalmente com sua execução.(4)
Em 24 de outubro Servet foi condenado à morte na fogueira por negar a Trindade e o batismo infantil. Calvino sugeriu que Servet fosse executado por decapitação, em vez de fogo, mais seu pedido não foi atendido.(5)
Em 27 de outubro de 1553 a pena foi aplicada nos arredores de Genebra com o que se acreditava ser a última cópia de seu livro acorrentado a perna de Servet.(6) 
Após o ocorrido Calvino escreveu: ‘Quem sustenta que é errado punir hereges e blasfemadores, nos tornamos pois cúmplices de seus crimes (…). Não se trata aqui da autoridade do homem, é Deus que fala (…). Portanto se Ele exigir de nós algo de tão extrema gravidade, para que mostremos que lhe pagamos a honra devida, estabelecendo o seu serviço acima de toda consideração humana, que não poupemos parentes, nem de qualquer sangue, e esquecemos toda a humanidade, quando o assunto é o combate pela Sua glória.’(7)”
Agora fico me perguntando: Se Calvino, de fato como disse o livro “Doutrinas da Graça” “simplesmente [não passava] de um pastor que não estava em posição de ditar ordens às autoridades magistradas que administravam a cidade [de Genebra]”, imaginem se ele tivesse tal condição o que ele não teria feito com Servet, além de promover o assassínio dele!
Uma coisa que aprendi é que “a história não mente”.

Referências das obras citadas no texto acima:
1 - Cottret, Bernard. Calvin: A Biography. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans, 2000. 0-8028-3159-1 Traduzido para o inglês do original Calvin: Biographie, Edição de Jean-Claude Lattès, 1995.
2 - The Heretics: Heresy Through the Ages by Walter Nigg. Alfred A. Knopf, Inc., 1962. Republished by Dorset Press, 1990, p. 326.
3 - Owen, Robert Dale. The debatable Land Between this World and the Next. New York: G.W. Carleton & Co., 1872. p. 69, notes.
4 - Schaff, Philip: History of the Christian Church, Vol. VIII: Modern Christianity: The Swiss Reformation, William B. Eerdmans Pub. Co., Grand Rapids, Michigan, USA, 1910, página 780.
5 - The History and Character of Calvinism by John T. McNeill, New York: Oxford University Press, 1954, p. 176.
6 - "Out of the Flames" by Lawrence and Nancy Goldstone - Salon.com
7 - John Marshall, John Locke, Toleration and Early Enlightenment Culture (Cambridge Studies in Early Modern British History), Cambridge University Press, p. 325, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário